A Educação em primeiro lugar

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

"Pilares da Educação Digital"



O Programa “Pilares da Educação Digital”

“Pilares da Educação Digital” (PED) é um programa de formação profissional para professores da Educação Básica. Ele se baseia em uma série de textos elaborados por mim, para a Microsoft Brasil. Com base nesses textos o Instituto Paramitas desenvolveu para a Microsoft um site para hospedar o programa de formação, que é ministrado predominantemente online (embora com um componente presencial).



Este blog apresentará e justificará o programa (neste post) e conterá informações atualizadas sobre ele (em posts subseqüentes).




1. Apresentação

A maior parte dos programas de desenvolvimento profissional voltados para professores na área de tecnologia tem consistido de treinamentos voltados para sua formação técnica no uso de produtos de software específicos (Windows, Internet Explorer, Office, Movie Maker, etc). Esses treinamentos são orientados para produtos e seu objetivo é ajudar os educadores a manejar, do ponto de vista técnico, softwares específicos de uso genérico. A maior parte das vezes esse treinamento é oferecido numa mistura de contextos face-a-face e ambientes virtuais de aprendizagem mediados pela tecnologia.



O que tem sido feito é louvável – mas está a exigir um novo foco.



Muitos educadores, ao terminar esses treinamentos, se perguntam: “Bem, eu agora sei como usar Windows, Internet Explorer, Word, Excel, PowerPoint, Outlook, etc. Mas o que é que eu posso fazer, com as informações e competências técnicas que eu adquiri, para melhorar a qualidade de minha vida pessoal, para ter um melhor desempenho no meu trabalho, para ajudar os meus alunos a aprender melhor?”



O programa Pilares da Educação Digital tenta dar uma resposta a essa pergunta.



O trabalho pedagógico das escolas é feito por educadores – e seu foco são os alunos. As principais categorias de educadores são professores, supervisores (coordenadores, orientadores) e administradores (dos quais o diretor é o principal). Desses, os professores são os que passam a maior parte do seu tempo de trabalho em contato com os alunos.



Há pouca dúvida de que o principal trabalho dos professores é ajudar os alunos a aprender – e a aprender cada vez melhor.



Vamos então começar com essa definição do trabalho dos professores para indagar:



“Como os professores podem ajudar os alunos a aprender melhor – não só a manejar tecnicamente a tecnologia, em si, mas utilizá-la para aprender melhor o que se espera que aprendam nas demais áreas do currículo?”

Em relação aos alunos de hoje, já nativos digitais, o maior desafio, na verdade, não é conseguir que aprendam a manejar tecnicamente a tecnologia, mas, sim, que aprendam o que podem fazer de útil, no plano pessoal, interpessoal (social), e profissional, com a tecnologia que conseguem tão bem manejar do ponto de vista técnico. Isso não é exatamente verdade em relação aos professores de hoje, a maioria dos quais consiste claramente de imigrantes digitais.

No sentido mais geral do termo, aprender é se tornar capaz de fazer algo que não se conseguia fazer antes. Esse “algo” pode ser quase qualquer coisa que se deseja, mas não se consegue, fazer. Pode ser um processo físico, como andar, nadar, desenhar as letras do alfabeto. Pode ser um processo físico-mental como falar, ler, escrever, tocar um instrumento. Pode ser um processo puramente mental, como entender por que carne crua, não salgada, deixada fora do refrigerador em climas quentes acaba se estragando rápido, ou por que devemos respeitar os direitos dos outros.


Aprender é sempre um processo ativo – sempre envolve algum tipo de “atividade” ou “fazimento” por parte do aprendente, ainda que essa atividade seja puramente mental. Nós claramente fazemos coisas em e com as nossas mentes. Pensar e refletir são componentes essenciais de nosso aprendizado porque eles estão envolvidos na maior parte das coisas que fazemos (pois, para realizá-las, precisamos definir os nossos objetivos, planejar as formas de alcançá-los, determinar quais os recursos que serão necessários para executar nossos planos, etc. – atividades que são essencialmente mentais. Mas também são essenciais ao aprendizado atividades como observar alguém fazendo alguma coisa, tentar emular (imitar, fazer o mesmo), cometer erros e inicialmente não conseguir fazer o que se desejava fazer, buscar e receber ajuda, feedback e apoio, tentar de novo, conseguir fazer o que se tentava fazer, melhorar o desempenho até que se esteja satisfeito com ele, mesmo que a perfeição esteja ainda muito distante...


Os seguintes processos, todos eles envolvendo a área de Informação e Comunicação (IC), são essenciais na aprendizagem (em especial na aprendizagem escolar):



* Busca de informações (pesquisa da informação)



* Organização, armazenamento e recuperação das informações encontradas (gestão da informação)



* Análise, processamento e avaliação das informações (tratamento da informação)



* Troca e permuta das informações em contextos interpessoais (compartilhamento da informação)



* Divulgação oral e escrita da informação em contextos públicos (disseminação da informação)



* Discussão e debate da informação (crítica da informação)



Esses processos podem ser chamados de os Seis Pilares da Educação Digital - PED.



Os três primeiros pilares dizem mais de perto respeito à Informação; os outros três, à Comunicação (que sempre envolve a transmissão e a recepção de informações). Juntos, todos os seis são Processos de Informação e Comunicação – PIC que são essenciais na educação e na aprendizagem. Como tais, eles devem orientar o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC na aprendizagem. Das TIC, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação – TDIC são hoje as mais importantes.



O programa de formação visa ao desenvolvimento, por parte dos professores, das competências correspondentes a cada um dos pilares, a saber:



* Buscar informações



* Organizar, armazenar e recuperar informações



* Analisar, processar e avaliar informações



* Trocar e permutar informações entre pessoas definidas



* Divulgar informações de forma oral e escrita em contextos públicos



* Discutir e debater as informações



Haverá um módulo de formação para cada pilar – e em cada módulo se discutirão, além dos PIC, as TIC/TDIC relevantes.



Os módulos de formação consistirão de dois elementos fundamentais:



* Um texto básico, com visão prática e não acadêmica, sobre cada um dos pilares, visando ajudar o professor a desenvolver as competências correspondentes e a aplicá-las no seu trabalho de professor;



* Questões problematizadoras e roteiros passo-a-passo que mostrem como pô em prática essas competências com a ajuda dos diversos produtos Microsoft.



O foco dos módulos estará nas competências a serem desenvolvidas pelo professor mais do que nos produtos que os ajudarão a colocá-las em prática – embora esse componente também seja essencial.



Os módulos também procuram não perder de vista o fato de que a aprendizagem do professor, no caso, tem um aspecto dual:



* Ele estará desenvolvendo competências que deverá usar no seu próprio trabalho como professor;



* Seu trabalho de professor implica ajudar os alunos a desenvolver iguais competências no trabalho de aprender (não só essas mesmas competências relacionadas ao uso da informação e da comunicação e suas tecnologias, mas também outras).



2. Justificação

Professores passam a maior parte do seu tempo de trabalho em contato com os alunos. Faz sentido. Seu trabalho é ajudar os alunos a aprender – e a alcançar autonomia no aprender.



Mas aprender o quê?



Talvez essa seja a pergunta mais difícil de responder na educação.



Uma criança típica crescendo às margens do Mar da Galiléia no início de nossa era provavelmente precisava aprender várias coisas: primeiro, a entender e a falar (mas não necessariamente a ler e escrever) em sua língua; segundo, a pescar, ou a pastorear ovelhas, ou a cultivar uma terra árida, e a exercer algumas artes domésticas (cozinhar, tecer, etc.); terceiro, se homem, a guerrear, e se mulher, a cuidar dos filhos; quarto, talvez, a encontrar respostas nas tradições de seu grupo social para algumas das grandes questões da vida: o que fazemos aqui neste mundo? como devemos viver? devemos esperar alguma coisa para depois dessa vida?



Uma criança típica crescendo no alto do Morumbi em São Paulo em nossos dias também precisa aprender várias coisas – muito mais coisas do que a criança palestina de dois mil anos atrás. Ela continua precisando a aprender a entender e a falar a sua língua – mas precisa também aprender a ler e a escrever nela. Além disso, tudo indica que precisa aprender a entender, falar, ler e escrever uma ou duas outras línguas (possivelmente Inglês e Espanhol). E continua precisando a encontrar respostas para as grandes questões da vida e da sociedade.



Uma coisa é clara. As pessoas são diferentes umas outras em em seu temperamento, em sua motivação, em sua inteligência, em suas habilidades naturais (talentos), em seus interesses. O que uma tem interesse em aprender a outra pode achar sem interesse ou mesmo detestável. O que uma tem facilidade para aprender a outra pode não conseguir aprender de forma alguma. O ambiente em que as pessoas vivem também condiciona seus interesses e suas necessidades. Quem vive perto do mar ou de rio, provavelmente logo aprende a nadar e a pescar; quem mora no alto das montanhas, provavelmente aprende a pastorear e a caçar -- e, se mora em local onde neva, a patinar no gelo, a esquiar...



Outra coisa é clara. Ninguém vai conseguir a aprender tudo o que deseja ou precisa aprender em alguns anos de escola.



O que fazer, então?



A escola tradicional propõe uma solução maximalista: a criança deve aprender na escola o máximo que for possível, ou, pelo menos, um conjunto significativo daquilo que de melhor a raça humana criou ou descobriu ao longo de sua história: idéias, narrativas (até mesmo inventadas, fictícias), histórias, conhecimentos, informações, notações, valores, regras de comportamento, práticas, procedimentos, métodos, etc. O currículo decorrente dessa proposta é sempre enciclopédico. Uma criança que desenvolva gosto pela coisa e tenha suficiente talento para a vida acadêmica pode facilmente passar mais de vinte anos freqüentando a escola – e ainda assim não aprenderá tudo o que deseja ou acha que precisa aprender.



Há propostas intermediárias – mas aqui vamos direto à proposta minimalista. A Idade Média defendeu uma proposta minimalista para a educação básica: o Trivium. Aquilo que era essencial aprender na escola era a linguagem corrente, a lógica e a retórica. Em outras palavras, a criança precisava:



* Aprender a se comunicar (oralmente e por escrito) em sua língua materna;



* Aprender a pensar e raciocionar (algo que parece impossível aprender sem bom domínio da língua, especialmente da língua escrita); e



* Aprender a discutir, debater, defender e criticar idéias (oralmente e por escrito).



Não resta dúvida que essa é uma proposta excelente, até onde vai. Ela continua válida – mas precisa ser suplementada para o nosso contexto.



Isso tem levado muitos educadores a defender a tese de que os professores precisam ajudar os seus alunos a manejar ou operar a tecnologia digital (computadores, telefones celulares, câmeras digitais, “players” de músicas ou de vídeos digitais, etc.).



Este programa de formação parte de um ponto de vista diferente.



Os alunos de hoje, “nativos digitais”, em regra não têm dificuldade em aprender, por si sós ou em contato com os colegas, a manejar ou operar a tecnologia digital – mesmo quando oriundos de ambientes nos quais o acesso a essa tecnologia é precário.



Os professores de hoje, porém, ainda são “imigrantes digitais”. O digital (por assim dizer) não é sua língua nativa: tiveram de aprendê-la depois de adultos. Por isso, têm dificuldade em falá-la, e, mesmo depois de receber formação, a falam com sotaque. Sua formação em tecnologia, quando houve, em regra se esgotou na aquisição de competências para a operação ou o manejo técnico do software dos computadores. Quando bem sucedida, ela os capacitou a fazer, como imigrantes, aquilo que os alunos fazem naturalmente, como nativos...



Isso coloca os professores em desvantagem em relação aos seus alunos.



Mas há algo importante que os alunos, por mais nativos que sejam no território digital, raramente aprendem por si sós ou em contato com os colegas: a usar a sua inteligência (seu “mindware”) para fazer algo de útil, no plano pessoal, interpessoal (social), e profissional, com o “software” que conseguem tão bem manejar e operar do ponto de vista técnico. Nessa área, necessitam de ajuda dos professores.



O problema é que os professores, muitas vezes, não sabem como ajudá-los nisso...



Como bem ressaltou Karl Albrecht em seu livro Practical Intelligence, aprendemos com razoável facilidade a manejar o software dos computadores mas temos notória dificuldade em manejar o nosso “software mental” – o nosso “mindware”. Por isso, embora aprendamos a manejar a tecnologia digital, temos dificuldade para encontrar maneiras de fazer com que ela contribua para melhorar a qualidade de nossa vida.



Nosso “software mental” – ou nosso “mindware” – é o conjunto das ferramentas com as quais a nossa mente trabalha: as competências, as habilidades, as capacidades que ela desenvolve para pensar criativa e criticamente, para decidir com sabedoria e agir racionalmente.



O “mindware” de cada um de nós opera em cima de informações que buscamos ou recebemos, em comunicação constante com o “mindware” das pessoas que nos cercam.



Paulo Freire, nosso educador maior, disse que ninguém educa ninguém – mas que tampouco nos educamos a nós mesmos sozinhos... Ele insistiu que nós nos educamos uns aos outros, em comunidade, com a mediação da realidade em que vivemos.



Na realidade em que vivemos o acesso à informaçao e a comunicação são processos fundamentais no trabalho, no lazer, na vida. São fundamentais, portanto, na aprendizagem e na educação. E a tecnologia digital é essencial para esses processos. Ela facilita o nosso acesso à informação e nos dá possibilidades de comunicação com nossos semelhantes que nunca antes tivemos.



Não podemos nos esquecer, porém, de que os processos fundamentais são os de informação e comunicação – a tecnologia é suporte, é apoio, é ferramenta. O software é ferramenta do “mindware”...



Este programa de formação de professores coloca o foco, primeiro, nos processos de informação e comunicação (IC) – para, em seguida, discutir as tecnologias de informação e comunicação (TIC), em especial as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) que lhes servem de suporte e lhes dão apoio. Ele procura colocar a formação do professor no manejo do software dentro do processo de desenvolvimento de seu próprio “mindware”.



Eduardo Chaves

eduardo@chaves.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário